24 abril, 2013

estou vivo

© Bruno Dias Vieira


Estou vivo
(Revista 2Público, 24.03.2013) 

Uma vez, fui parar a um seminário sobre conservação e restauro de fotografia na Biblioteca Nacional. Acho que foi na altura em que queria salvar o mundo pela fotografia, mas já não tenho bem a certeza. Havia convidados de gabarito, entre os quais a neta de Henri Cartier-Bresson, Anne, conservadora em Paris. Não me lembro de uma palavra do que ela disse nessa ocasião. E se tivesse de salvar do desvanecimento um espólio de imagens de prata a partir do que ouvi nesses dois dias de conclave fotográfico a coisa seria um desastre. Do que me lembro bem é da tenacidade da antiga directora do Centro Português de Fotografia (CPF) do Porto, Tereza Siza, que participou como oradora e começou a sua intervenção a dizer que não gastaria nem mais um segundo da sua vida a lamuriar-se com a falta de dinheiro, falta de recursos e de tudo mais que se apresenta para justificar a inactividade, o comodismo e a aselhice a que tantas instituições públicas se entregam para mais placidamente levarem a vida.

Tereza, é sabido, gosta de trocar as voltas ao guião. Deu as suas alfinetadas, apresentou a obra feita no seu reduto e, claro, defendeu a absoluta necessidade de garantir todos os mimos às imagens à sua guarda para as devolver à vista de todos. Nessa altura, o CPF era uma força concretizadora, um lugar dinâmico e desempoeirado. Lembrei-me dele quando, há dias, fui ao Arquivo Fotográfico de Lisboa.

O sufoco orçamental com que têm de lidar hoje tantos organismos do Estado é uma passadeira vermelha a todo o tipo de desculpas para não mexerem uma palha fora dos seus deveres. Mas, mesmo com recursos escassos, há sempre quem tente remar contra a maré. O Arquivo, pela mão de José Luís Neto, é um desses remadores. Subtilmente, com saber, criatividade, vai recuperando o fulgor de uma casa que perdeu a sua timoneira, Luísa Costa Dias (1956-2011). O Arquivo da Rua da Palma é por estes dias um exemplo daquilo que deve ser uma instituição pública com a responsabilidade de guardar e mostrar fotografia, quer se revelem em papel albuminado ou em impressões a jacto de tinta. Enquanto no primeiro andar dialogam suportes antigos e novos (Imagem entre Imagens), um lanço de escadas acima, mostra-se Séma Chéein, o extraordinário trabalho sobre os limites da figuração e da captação do rosto, da autoria de Bruno Dias Vieira naquela que é a sua primeira exposição (até 26 de Abril). A mostra tem um conceito expositivo inteligente e cuidado. Marcará o ano. Ou seja, é o Arquivo atento e a descobrir talento. E a dizer: "Estou vivo."

© Bruno Dias Vieira

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