24 abril, 2013

bravo




Tríptico Cemento - 2/La Tolteca (1929)

O silêncio de Alvarez Bravo cabe todo aqui
(Lucinda Canelas, Público, 31.3.2013)

As fotografias são de pequeno formato e quase todas a preto e branco. Mas também há livros, revistas, cadernos cobertos de notas e de apontamentos de rodagem, caixas de película de 8mm e cartas a outros fotógrafos, como Cartier-Bresson, que conheceu em 1931 e de quem chegou a ser amigo. Numa delas, dirigida a Edward Steichen, colega de profissão e curador, agradece a inclusão de duas das suas fotografias na exposição The Family of Man, organizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, em 1954. Álvarez Bravo parece interessar-se por tudo, deixando-se influenciar pela pintura, o cinema e a literatura. Mas sem ficar refém de nada nem de ninguém.

Manuel Álvarez Bravo, a exposição que a Fundação Mapfre dedica ao fotógrafo mexicano até 19 de Maio, é reveladora dos seus múltiplos interesses, do quanto procurou uma linguagem própria, às vezes à custa de experiências não muito bem sucedidas, e da forma como o seu olhar - e a sua câmara - perseguiam um ângulo original capaz de o afastar da "imagem barroca" que se construíra do México como território do étnico e do exótico.

É no catálogo que reúne mais de 150 imagens deste homem que aprendeu a fotografar praticamente sozinho (o avô e o pai eram fotógrafos amadores, mas não consta que tenham tido nele grande influência), e que não fez outra coisa durante 80 anos, que os comissários da exposição, Gerardo Mosquera e Laura González Flores, explicam por que razões está Bravo mais interessado no experimentalismo que o leva a dar um grande contributo para a fotografia moderna do que em perpetuar chavões românticos de um país de cores e sons exuberantes.

"O trabalho de Manuel Álvarez Bravo, pelo contrário, é sobre o silêncio", escrevem Flores e Mosquera no texto que co-assinam no catálogo. "O caleidoscópio vivo das ruas do México, das praças e mercados com as suas multidões, sons, uma miríade de barulhos e vozes, com as suas formas e cores que se destacam, e o burburinho constante, parecem silenciados nas suas fotografias." O que pode estar relacionado, arriscam, com a ideia de morte que atravessa toda a sua produção, mesmo quando ela é permeável à sensualidade e ao humor, como no caso da jovem mulher que dorme sobre um tapete tradicional sem que as ligaduras escondam o seu corpo nu (La buena fama durmiendo, de 1938) e no da manequim de montra, parcialmente coberta, mas com umas meias transparentes a escorregarem-lhe pelas pernas (Maniquí tapado, 1931).

Longe de se ancorar num movimento artístico específico, Álvarez Bravo (1902-2002) acompanha as profundas transformações que moldam o seu país depois da Revolução de 1910. A industrialização e a mecanização da agricultura alteram as paisagens, mas também a forma como as pessoas vivem e trabalham. E, apesar de rodeado de ícones e fortes correntes políticas, o fotógrafo parece procurar afastar-se de ideologias e ambições de poder, procurando retratar a realidade sem filtros interpretativos (tanto quanto possível), mesmo quando essa realidade mostra um grevista morto a tiro (Obrero en huelga, asesinado, 1934, talvez uma das suas fotografias mais divulgadas), a pobreza nas ruas e as comunidades indígenas.

Era "moderno, acima de tudo, devido à sua estética antipicturalista, o que dava primazia aos recursos visuais e expressivos da fotografia per se", continuam os comissários, comparando-o a grandes fotógrafos seus contemporâneos, americanos e europeus, como Cartier-Bresson, Edward Weston, Walker Evans e Dorothea Langue, que tal como ele contribuíram para que a fotografia fosse vista como uma forma de expressão de pleno direito, "fazendo dela uma arte com as suas estética e agenda próprias, sem qualquer necessidade de pedir emprestado para justificar o seu estatuto artístico".

Aparentemente fascinado por tudo ou quase tudo o que o rodeia - particularmente enamorado do corpo feminino, dos volumes das grandes obras públicas, das imagens publicitárias e do mundo natural -, Álvarez Bravo não rejeita a história do seu país nem as suas raízes culturais, mas também não está interessado em que elas transpareçam no que faz.

"Ele não era um fotógrafo de cenas de grupo mas de formas, objectos e elementos isolados por uma moldura de trabalho altamente controlada que os reconstruía", explicam os comissários. Mas "Álvarez Bravo era também o fotógrafo das paisagens tranquilas e da solidão, indivíduos silenciosos que são quase sempre vistos de costas, e ocasionalmente a dormir". Uma vez mais, um homem que gostava do silêncio e de fazer as coisas sem pressas, quer no campo, quer na cidade em constante mutação.

Manuel Álvarez Bravo habituou-se a olhar o mundo através das câmaras, fossem de fotografar (na maioria das vezes), fossem de filmar (as primeiras experiências, cujos resultados desapareceram, são dos anos 30, sob influência de Que Viva México!, do cineasta russo Serguei Eisenstein). Aprendeu a usar as primeiras quando era ainda adolescente, mas só começou a dedicar-se a elas quando já passava dos 20 anos, ao conhecer o fotojornalista Hugo Brehme.

A fotografia documental como profissão chegou quando a fotógrafa Tina Modotti lhe deixou o seu trabalho na revista Mexican Folkways ao ser deportada do país.

Mas o que Álvarez Bravo faz não se restringe à imagem que mostra ou documenta. Muitas vezes a sua fotografia cria territórios alternativos, imaginados, brinca com a percepção que cada um tem de si mesmo. Nos retratos, por exemplo, o sujeito da fotografia parece dirigir-se à câmara como quem olha para um espelho, descobrindo na imagem que ela produz mais do que um reflexo.

Mosquera e Flores falam da intensidade das suas imagens, de uma poética permanente, de um método de composição e de um sentido de movimento que se aproxima do cinema (trabalhou para a indústria entre 1943 e 1959).

"Álvarez Bravo era um caçador de imagens, um artista que sabia esperar. Era frequente montar o tripé da câmara num lugar que achava poder vir a produzir uma imagem interessante e ficar pacientemente à espera de a capturar." As suas "presas" podiam dar primeira página num jornal ou motivar uma discussão entre surrealistas.

Obrero en huelga, asesinado (1934)

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