25 fevereiro, 2012

desafiar

© Paulo Pimenta



 Na vertigem do olhar do olhar dos outros
(Sérgio B. Gomes, P2, Público, 25.02.2012)

É um exercício arriscado fotografar uma exposição de fotografia. Ainda mais arriscado é fotografar uma exposição de fotografia onde, para além da imagem fotográfica, aparecem outras imagens — no caso, imagens pintadas que moram em muitas das fotografias da exposição de Thomas Struth no Museu de Serralves, no Porto, em relação às quais o repórter Paulo Pimenta decidiu estabelecer um diálogo ora irónico, ora provocador, um pouco como quem entra sem ser convidado, mas que, mesmo assim, decide dar um passo em frente para ver o que acontece a seguir.

É um risco porque o acto fotográfico pressupõe (na mais pura das funções, na mais romântica acepção) o encerramento de território visual, a conquista de qualquer coisa, como quem espeta uma bandeira em terra virgem. Significa isto que fotografar o fotografado é, de alguma maneira, meter a foice em seara alheia, roubar o já visto, registar o registado. Dizíamos, ainda mais risco porque a fotografia de imagens pictóricas tão icónicas como o auto-retrato de Albrecht Dürer ou a caminhada à chuva nas ruas de Paris de Gustave Caillebotte (tão inspirada na fotografia…) podem facilmente apagar a superfície que está à frente dos nossos olhos (a fotografia) para nos fixar de modo encantatório apenas na tela pintada.

Donde, o desafio e a virtude de um trabalho no fio da navalha como é este de Paulo Pimenta
está na capacidade de conquistar território numa nesga de espaço que já pertencia a outrem, na procura de faíscas que façam com que o diálogo se estabeleça entre universos muito parecidos, num jogo de meta-imagem que entrelaça (e sobrepõe) distintas camadas de leitura. E, na procura desse objectivo, não há melhor aliado do que a vertigem dos que olham o olhar dos outros. É na sua postura (em alguns casos ligada à expressão do olhar) que residem, porventura, as melhores oportunidades para conceber trabalho acerca do uso do espaço museológico e das emoções que se manifestam na experiência estética. É aí, também, que reside a oportunidade para revelar a multiplicidade coreográfica provocada pelo que se vê (e em que condições se vê), para nos vermos ao espelho enquanto massa humana ou simplesmente para pôr em causa (dessacralizar) as obras retratadas (as fotográficas e as outras).

O exercício de paciência e de oportunidade de Paulo Pimenta pode dar-nos isto tudo. Mas há uma característica que transborda deste trabalho: a procura do simples gozo de confundir quem vê. De brincar ao jogo do gato e do rato. Que é para isso que imagem fotográfica também serve.



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