Mário Lopes (publico.pt, 05.01.2012)
Fotografou Marylin Monroe no set do seu último filme, “Os Inadaptados”, e mostrou, rua a rua, rosto a rosto, a vida no bairro nova-iorquino do Harlem. Viajou até aos Emiratos Árabes Unidos quando estes, na década de 1970, eram um mistério para o Ocidente, e captou Isabel II, muito pouco majestática, de sorriso muito humano. Aproximou-se de Paul Newman ou James Cagney, acompanhou Malcolm X na luta pelos direitos civis, fotografou o basfond cubano de prostituição e rostos derrotados e teve como primeiro grande trabalho uma série sobre o nascimento. Eve Arnold, a primeira mulher admitida nos quadros da Magnum e um dos nomes maiores da geração de ouro da fotografia no século XX, morreu hoje, quinta-feira, aos 99 anos.
A mulher cujo trabalho foi descrito por Robert Capa, um dos fundadores da Magnum, como estando “metaforicamente entre as pernas de Marlene Dietrich e as vidas amargas dos trabalhadores migrantes na apanha de batata”, vivia numa casa de repouso em Londres, a cidade que a acolhera no início da década de 1960.
Nascida em Filadélfia em 1912, filha de imigrantes russos, Eve Arnold chegou tarde à fotografia. Inicialmente inclinada a seguir uma carreira na medicina, o rumo da sua vida foi alterado quando recebeu de um namorado uma câmara Rolleicord. Nova Iorque foi o primeiro alvo do seu olhar, em que a pulsão documental era profundamente tocada pelas obsessões marcantes da sua vida. “[Certos] temas ressurgem uma e outra vez no meu trabalho”, cita-a nesta quinta-feira o site da NBC. “Fui pobre e quis documentar a pobreza; perdi uma criança e era obcecada com o nascimento; estava interessada na política e queria saber como afecta as nossas vidas; sou uma mulher e quis conhecer as mulheres”.
Arnold entrou para Magnum em 1951 e tornou-se membro efectivo em 1957. Nos anos seguintes, viajou mundo fora para documentar a vida na União Soviética e na China, ou o universo feminino no Dubai. Em Inglaterra, desviou o olhar da emergente “swinging London” para se concentrar naquilo que era ainda uma sociedade profundamente classista – registava lordes em caçada ou veteranos abandonados da segunda Grande Guerra. “A coisa mais difícil no mundo é pegar no mundano e tentar mostrar quão especial é”, afirmou.
Os seus trabalhos mais famosos serão, porém, os que fez com estrelas como Joan Collins, Isabela Rossellini, Marlene Dietrich ou, principalmente, Marylin Monroe, que fotografou pela primeira vez em 1951 e que acompanhou até à sua morte. Com todas elas, construiu uma intimidade que a câmara reflectia de forma pungente. “Aquilo que tentei fazer foi envolver as pessoas que estava a fotografar”, cita-a o Telegraph. “Se estivessem dispostos a dar, eu estava disposta a fotografar”.
No período mais intenso da sua carreira, as décadas de 1950, 60 e 70, trabalhou com a Life, Esquire, Stern, Paris-Match ou com o Sunday Times, e, ainda que a cor faça parte de muito do seu espólio, sempre preferiu o preto-e-branco.
Apesar da obra que deixa e da paixão que revelou pela sua arte, dela não se poderemos afirmar ter fotografado até ao fim. “Julgo que, se alguma vez me sentir realizada, terei que parar. O que nos guia é a frustração”, disse em tempos. Em 2009, porém, quando a actriz Angelica Huston lhe perguntou se ainda fotografava respondeu, que “isso” tinha acabado. “Já não consigo segurar a câmara”, explicou.
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