20 julho, 2011

Linda

Paul, Stella, James, Escócia, 1982
© Paul McCartney



Linda McCartney
Muito para além do brilho das estrelas
Sérgio B. Gomes, Pública, Público (26.06.2011)


Antes de se chamar McCartney, Linda chamava-se Eastman. Antes de conhecer Paul McCartney, de se apaixonar por ele e de casar com ele (em 1969) já Linda Eastman fazia fotografias que, com mérito próprio, lhe valeram conquistas – entrou nos bastidores dos protagonistas da cena musical dos anos 60, conquistou a sua admiração e tornou-se na primeira mulher a assinar uma capa da revista Rolling Stone com um retrato de Eric Clapton.

Porque isto dos nomes e dos apelidos pode fazer toda a diferença, para o bem e para o mal, a primeira frase do texto de Paul McCartney que abre o livro de fotografia Linda McCartney: Life in Photograps (Taschen, 2011) esclarece logo: “Quando eu conheci a Linda pela primeira vez, ela já trabalhava como fotógrafa”. Que é como quem diz “ela não precisou da minha fama para nada, não precisou de mim para conseguir fazer aquilo que fazia, para ser admirada e ter sucesso”. A afirmação de McCartney tenta desfazer equívocos e combater um preconceito que tem barbas – o de que os que estão na órbitra dos famosos conseguem chegar a altos voos só por causa da sua condição estelar ou semi-estelar. O certo que antes de se unir a Paul, Linda já tinha feito imagens dos Rolling Stones, Janis Joplin, BB King, Jimi Hendrix, Pete Townshend, Jim Morrison e Neil Young, só para citar alguns dos muitos nomes famosos (ou que viriam a ser famosos) que aceitaram ficar na sua objectiva quando ela nada tinha de celebridade. E para sublinhar ainda mais esse talento antes do apelido McCartney, também Stella (uma das filhas do casal) avisa que antes de Paul, já Linda “enchia páginas [da Rolling Stone]”.

Num meio onde não era comum ver uma mulher a fotografar a órbitra rock’n’roll, Linda destacou-se pelo seu olhar sagaz e pela naturalidade com que se movia por entre quem queria registar – o historiar de arte e comissário Martin Harrison fala na “informalidade” e na forma “despreocupada” com que encarava o trabalho. No mesmo tom, num depoimento registado por ocasião da abertura da exposição com o mesmo nome do livro, em Londres, Paul McCartney descreve a maneira de fotografar de Linda como “uma conversa”. Uma conversa que, de vez em quando, incluía uma câmara e durante a qual se iam ouvindo alguns click. Para Paul, Linda tinha a perfeita noção do momento exacto do disparo: “Quando menos se esperava ela tinha a fotografia”. É essa estratégia de subtileza e “conversação fotográfica” que se revelam em muitas imagens que deixou, como a que mostra os The Jimi Hendrix Experience com Hendrix a bocejar, os The Mama's and the Papa's a comer e a ensaiar à volta de uma mesa cheia e confusa ou Janis Joplin de garrafa em riste. Quando esta ligação de química emotiva se transformava em imagem fotográfica, era sinal de que os sujeitos “não estavam a olhar para a fotógrafa. Estavam apaixonados pela mulher da câmara. Em galanteio. Enamorados”. Quem o diz é Annie Leibovitz, outra histórica que passou pela Rolling Stone e que escreveu um dos depoimentos do livro agora editado.

Antes de casar com Paul McCartney, Linda tinha acesso ao mundo dos famosos e dos aventureiros da música, do cinema e das artes – saía com eles, divertia-se com eles, de certa maneira já fazia parte da tribo movimentando-se com liberdade e despreocupação. Mas depois de dar o nó com o Beatle o seu quotidiano mudou radicalmente e as estratégias com trabalhava na fotografia também. Se por um lado passou para uma posição ainda mais privilegiada para realizar aquilo que sempre procurou na fotografia – fazer com que as imagens falassem por si, que provocassem emoções, reacções, que fizessem parar para ver e pensar – por outro viu-se mais condicionada no papel de figura pública. O fim do anonimato fez com que procurasse novas estratégias e novos ambientes para fotografar. A partir do universo íntimo do novo núcleo familiar (Linda e Paul criaram quatro filhos, Heather, Mary, Stella e James) construiu um longo diário visual que ombreia com a constelação de celebridades, incluindo os Beatles, que continuou a registar. Ao mesmo tempo que fazia “fotografias reais de pessoas que raramente conseguimos ver como realidade”, Linda McCartney, que morreu em 1998 depois de ter combatido um cancro da mama, começou a interessar-se pela natureza, pelos animais (e os seus direitos), pelas ruas, pela paisagem vista da janela de um carro e pelo quotidiano da sua família. E foi desta sequência temática que nasceu Life in Photographs, uma selecção “muito difícil” feita por Paul e os filhos do casal que tiverem que isolar algumas dezenas de fotografias entre um arquivo que chega às 200 mil imagens.

Esta vida em fotografias é atravessada por um sentido de unidade, de intimidade e de partilha, tudo salpicado com pequenas doses de surrealismo e humor. À medida que se sucedem as fotografias, o que vemos desfilar é uma procura pela força das imagens, independentemente da escala de celebridade, das ligações de amizade ou parentesco do seu sujeito. Trazem uma forma de olhar, um modo fazer particular que as transforma numa única família visual. E é por isso que convivem com naturalidade um retrato introspectivo a preto e branco de Nico, uma das divas dos anos 60, com uma janela de guilhotina vermelha entreaberta onde amadurece um melão, onde secam umas botinhas de borracha amarelas e onde o detergente Fairy espera para lavar a loiça. E Paul às vezes aparece a fazer gracinhas, como quando faz peitaça à frente de uns cartazes onde se anuncia um combate de luta livre. Já para não falar das crianças e da sua vida no campo.

Linda McCartney teve apenas duas aulas de técnica, antes de aceitar um convite extemporâneo para fotografar os Rolling Stones numa apresentação para a imprensa no rio Hudson, em Nova Iorque, para a revista Town & Country, em 1966. Divertiu-se a tirar fotografias e a aventura correu bem. A partir daí começou a fotografar mais e mais aprendendo com a prática, porque acreditava sobretudo no “instinto fotográfico”. Linda abraçou vários universos temáticos, experimentou muitos formatos e diferentes técnicas (gostava dos velhos métodos de impressão). A fotografia era uma extensão de si. Mas não a absorvia - nunca lamentava não ter uma câmara à mão quando lhe aparecia uma boa imagem. Segundo a filha Stella, nesses momentos dizia em voz alta: “Não há problema, podes sempre fotografar com a alma”.



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