08 março, 2011

/uma fotografia, um nome\

Gérad Castello-Lopes, Lisboa, 1957

Nada melhor para compreender o significado da obra aberta, como verificar que obras de arte se instalaram na sociedade como ícones. Seja a misteriosa (e desfalcada) “Gioconda”, de Leonardo da Vinci, “O Beijo” de Rodin ou a “Migrant Mother” de Dorothea Lange. E a aceitação da obra de um autor, a sua presença nas histórias de Arte, também se soma pela variedade de ícones que soube produzir e distribuir.

Esta imagem de Gérard Castello-Lopes é um dos ícones consagrados da sua produção fotográfica, dos primeiros anos da sua prática fotográfica. Tem outros, mesmo de produção posterior, desde que a galeria Ether o lança a público pela primeira vez em 1982, como a famosa pedra suspensa num momento de recuo das águas do mar (1987).

Esta fotografia, da Lisboa de 1957, que apenas o seu grupo - aquele grupo a que Alexandre Pomar chama o “o eixo Lisboa-Cascais”, (Vitor Palla, Costa Martins, Carlos Calvet, Carlos Afonso Dias, António Sena) - e fora dele, aquele fotógrafo que a história da fotografia lhes anexa, Jorge Guerra, conhecia apenas por circulação interna.

Mais do que qualquer outro, Gérad Castello-Lopes pretendia suspender na fotografia o “momento decisivo” que Capa e Cartier-Bresson internacionalizam. Aqui eternizou-se um momento que nos insinua a representação de Lisboa do salazarismo: um herói de bairro, consciente de si e da sua máscara social, indiferente ao polícia negligentemente encostado ao muro das escadinhas, caminhando sem olhar o chão que pisa com segurança. O momento decisivo plasma o melhor cenário nos muitos cinzentos que clarificam os fundos, o leve descentramento do personagem fá-lo senhor do espaço, informa do efémero e forma a empatia.

A atitude estava lá, o contexto revelava-a, o génio do artista era reconhecê-la e suspendê-la. Não há encenação prévia, nem espera do momento calculado como em muitas imagens de Cartier-Bresson; nem há momentos históricos decisivos ou apontamentos inesperados captados por um olhar treinado. Gérad Castello-Lopes tem o olhar do fotógrafo de cinema, fotografa imagens reveladoras da sua Lisboa, aquela que conhece mais dos filmes que distribui. E, portanto, esta imagem tornou-se um ícone dessa Lisboa de finais de cinquenta, não de uma realidade “constrangedora” para a qual ele dizia querer alertar e, assim, modificar, mas de uma memória que a história nacional incorpora. Uma memória arbitrária, naturalmente, mas estética e compensadora. Era essa a força da fotografia e é também por isso que mesmo hoje, independentemente de actuais formas de olhar o mundo, as mantemos como ícones gratificantes.

Maria do Carmo Serén

Sem comentários:

 
free web page hit counter