11 julho, 2009

Castro Prieto

© Castro Prieto


Fotografo o que não vivi

Sérgio B. Gomes
(P2, 11.07.2009)

Há quem se dedique a registar pela fotografia o ínfimo acontecimento, a marcha da pequena e da grande história que ficará agarrada a uma linha cronológica, a uma coutada geográfica. É um trabalho (necessidade) de classificação e de arquivo que (ainda) dá à fotografia esse estatuto tão especial de prova do que foi, de como, onde e com quem aconteceu. Diz-se documental esse registo que, com o mínimo de artifícios estilísticos, tenta reproduzir fielmente a realidade.

Há quem nos reproduza parcelas do mundo tal qual ele é - puro e duro. E há quem parta dessa frieza para registos que tocam um mundo mais onírico e fantasmagórico, mais mágico, intemporal - um mundo que contraria e que sujeita a história à poesia. É nesta linguagem fotográfica - muito mais ligada à atmosfera introspectiva do que à fidelidade do acontecimento - que assenta Estraños, a exposição com que o espanhol Juan Manuel Castro Prieto (Madrid, 1958) se apresenta pela primeira vez em Portugal na Kgaleria, em Lisboa.

Para quem construiu um percurso na fotografia sobretudo ligado aos rigores da técnica - Prieto é um dos mais exímios e reputados impressores de fotografia espanhóis com clientes como Chema Madoz, Cristina García Rodero e Alberto Garcia-Alix - não deixa de ser paradoxal que o conjunto de imagens que dão forma a Estraños assente em abordagens difusas, tanto na forma como no conteúdo, que resvala facilmente para a alegoria, para o lirismo literário. Paradoxal, mas também revelador de uma necessidade de enfrentar convenções e de encontrar diferentes maneiras de ver e fazer fotografia. Alejandro Castellote, comissário desta exposição apresentada pela primeira vez em Madrid em 2002, ano em que Prieto ganhou o prémio carreira do festival PhotoEspaña, elogia-lhe a atitude "coerente" em busca de "mundos oníricos a partir do quotidiano" e vê no "fatalismo" com que encara a vida um dos principais motores da sua produção fotográfica. Em resposta a Castellote, no catálogo de Estraños, Castro Prieto resume o resultado dessa procura assim: "Fotografo experiências que não vivi".

© Castro Prieto

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