23 junho, 2009

Ros


Soldados legionários praticam desporto no quartel Dar Riffien, com Ceuta ao fundo (c. 1930)
Cortesia Archivo Familia Ros Amador


Bartolomé Ros
O fotógrafo que não queria ser artista

Quando, no começo dos anos 20, Bartolomé Ros (Cartagena, 1906 – Madrid, 1974) decidiu levar para Espanha a marca de produtos de fotografia Agfa nem sequer tinha idade legal para assinar um contrato. E por isso teve de ser o pai, Prudencio Ros, a rubricar o documento que lhe dava a exclusidade de comercialização de uma das mais promissoras marcas de fotografia da época. A dinâmica precoce e uma predisposição natural para os negócios (em torno da fotografia, mas não só) são marcas fundamentais do percurso deste fotógrafo singular que registou alguns dos mais conturbados períodos da história de Espanha do século XX.

Na altura em que a família de Ros se mudou para Ceuta, em 1918, Bartolomé começou a aprender os rudimentos da prática fotográfica e com apenas 15 anos publica uma imagem na revista Mundo Gráfico, feito que lhe abriu o caminho para ficar como correspondente de outras publicações nacionais espanholas, entre as quais o jornal ABC e a revista Blanco y Negro, e para ser convidado pela revista National Geographic a publicar uma reportagem sobre Espanha, em conjunto com o fotojornalista Ángel Rubio.

Até meados dos anos 50, Bartolomé Ros foi um fotógrafo atento e perspicaz no registo da vida quotidiana de Ceuta que misturava dois universos culturais diferentes. Mas foi sobretudo um cronista gráfico privilegiado das intensas movimentações da presença militar espanhola naquele protectorado. A exposição Bartolomé Ros. Frontera de África, que faz parte da Secção Oficial do festival PhotoEspaña, mostra de forma exemplar estes dois mundos em torno dos quais rodava a sua produção fotográfica. Entre imagens de homens fardados, quartéis e armas surgem também retratos da burguesia e da vida nas ruas de Ceuta e de vizinhas cidades marroquinas, como Tânger e Tetuán. O comissário Alejandro Castellote aponta no catálogo da mostra a “responsabilidade documental” e a “depurada personalidade” que atravessam a obra de Ros. “Ele artista não queria ser”, disse Castellote na apresentação do conjunto de 120 fotografias que se apresenta no Museu de Arte Contemporânea de Madrid.

Apesar de ter colaborado durante anos com a publicação mensal África, Revista de Tropas Coloniales, fundada em 1926 pelos militares que anos mais tarde estariam na origem do golpe que desencadeou a Guerra Civil Espanhola, grupo de ideólogos que contava já com o ditador Francisco Franco, as imagens de Ros estão mais próximas da “verosimilhança” (que descreve e documenta) do que da “narrativa épica” fascista, defende Alejandro Castellote que classifica o fotógrafo como “um homem de convicções liberais”.

A imagem em que Franco aparece abraçado a Millán Astray no momento da passagem de testemunho da Legião para este último é uma das sua fotografias mais conhecidas e reproduzidas. Para Castellote, esta proximidade com o ambiente militar onde vigoravam estas figuras de nostálgicos do império fez com Ros se fosse afastando cada vez mais da fotografia."O seu compromisso pessoal limitava-se aos laços afectivos com cidade onde cresceu como pessoa e como empresário; as veleidades golpistas dos militares não contavam com a sua cumplicidade ideológica", escreve o comissário no catálogo da mostra.

Algo semelhante ao estilo de Joshua Benoliel, que este ano também marca presença no festival, Bartolomé Ros tentou passar despercebido na História que ia acontecendo à sua volta. Um pouco também à imagem de Benoliel que fez questão de verbalizar a sua neutralidade enquanto fotógrafo quando lhe perguntaram: “ - Ó velhinho! Mas afinal, você é monárquico ou republicano? – Homem, eu cá sou fotógrafo!”.

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