29 abril, 2009

o regresso dos franceses

Mondego, 1994
Pierre Devin © Centro Português de Fotografia DGARQ/MC

Há duzentos anos, o Norte vivia em sobressalto a invasão de Soult. Mas é da lei da guerra e da paz que os ocupantes deixem atrás de si rastos da cultura própria e outras alterações mais gratuitas do futuro. No país, que levaria o seu exército com Wellington a atravessar os Pirinéus, uma outra revolução de advogados estava já em marcha.

Por isso mesmo, este conjunto de exposições não comemora apenas as misérias e as vitórias locais do império napoleónico mas, acima de tudo, os efeitos culturais de sucessivos reconhecimentos.

A Península, respondendo com uma violência inesperada ao exército jacobino, ganhava então o seu cunho de exotismo e barbárie, - a temeridade dos bandoleiros fará eco nos libretos de Ópera, no romance oitocentista e na representação dos seus habitantes. A meados do século XIX, a pátria do Empecinado e do general Silveira era visitada pelas missões fotográficas com o mesmo olhar de descoberta que levava os fotógrafos a Marrocos ou ao Egipto.

Cabo da Europa a que o mar imenso fizera esquecer, são por vezes esses olhares franceses que fazem o país descobrir-se a si mesmo. E é esse olhar do outro que nos confronta ou que dele dá notícia, que aqui se mostra. Inclui grandes fotógrafos franceses, pretéritos ou nossos contemporâneos, todos eles incluídos na Colecção Nacional de Fotografia. Georges Dussaud, que lhe pertence, mostra-nos uma série com que tudo, aqui no Norte, parece fechar, a sua visão da cidade que mal conhecemos.

Enxovia de Santa Ana
Muito cedo a imprensa portuguesa fez saber sobre a descoberta da fotografia apresentada e depois demonstrada por Daguerre. Muito cedo, ainda, fotógrafos e missões fotográficas francesas percorriam o país, anunciando, por vezes, a sua presença.

Depois de cada passagem, alternando lições e sessões de fotografia, os fotógrafos habitualmente vendiam câmaras e equipamentos, que os novíssimos fotógrafos portugueses compravam.
Também por vezes fotógrafos franceses passavam a residir em Portugal. Como Fillon, o simpatizante da Comuna de Paris, que se tornaria o símbolo da elegante prática fotográfica em Lisboa e no Porto. Eça cita-o num dos seus romances e hoje faz parte da nossa história da fotografia. Então já se usava para múltiplos efeitos o carte de visite, uma das mais notáveis colonizações francesas no campo da fotografia.

É o olhar francês nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, que aqui vemos.

Enxovia do Senhor de Matosinhos
Nesta representação francesa da segunda metade do século XX encontra-se um dos famosos momentos decisivos de Cartier-Bresson, trabalhos conceptuais de Bernard Faucon, documentalistas de reconhecida estética, Paul Berger, Alain Buttard ou Jean Gaumy, mas dominam quatro projectos feitos em Portugal por Pierre Devin, Guy Le Querrec, Frédric Bellay e Bernard Plossu. De certo modo fica coberto o Portugal geográfico e algumas das mais importantes vertentes da fotografia francesa contemporânea. Seja a poesia divertida de Fréderic Bellay, (que chega a repautar imagens clássicas da Fotografia), as poderosas perspectivas de Pierre Devin, o olhar militante e sensível de Guy Le Querrec ou os olhares oblíquos e breves sobre os gestos da cultura que as câmaras descartáveis detectam neste seu “País da poesia”.

Enxovias de Stª Teresa e de Stº António (Georges Dussaud)
Georges Dusaud, todos o sabem, conhece o país, conhece a cidade. Este percurso pelas nossas coisas, pela nossa gente não é apenas o olhar do fotógrafo flaneur que sempre foi. É um saber de nós, do enigma de uma cidade que não gosta de se denunciar, da atmosfera das suas esquinas e escadinhas perdidas, das fachadas das velhas mercearias finas, dos cafés e passeios ribeirinhos.

A cidade oitocentista da classe média continua a esconder-se por trás do rendilhado de árvores que fazem minúsculos jardins ou alamedas, o clássico “Porto”, de lança repousada espreita, desterrado do centro cívico, para lá das muralhas que nada protegem. Dussaud gosta de gente. Fotografa-a nos seus lugares de afecto, prodigalizando um perto e um longe que a une ou separa. Por vezes deixa que um breve humanismo fotográfico envolva o seu olhar de síntese, mas aqui, nesta série sobre o Porto, há uma outra contemporaneidade, um outro olhar argumentativo que desfaz clássicos enquadramentos e pontos de vista, desfoca os motivos, desvia o olhar das histórias que se contam.

E então as suas imagens compõem uma lição sobre o modo como vemos, hoje, o mundo em imagem, onde tudo é cenário interrompido como um vídeo-clip, onde o sujeito é o zapping da nossa insatisfação. Onde tudo é sempre muito belo como um argumento de vida.

Maria do Carmo Serén

Invisões, Portugal Visto pelos Fotógrafos Franceses, vários autores
Centro Português de Fotografia, Porto
Até 28 de Setembro

1 comentário:

Kiko Pedreira disse...

Bom dia:

Venho com este comentário, informar a administração do blog sobre o prémio de fotografia REFLEX, organizado pela Associação CAIS, em conjunto com o Banco Espírito Santo.

As inscrições estão abertas até 29 de Junho e este ano o tema leva-nos ao desafio de uma definição: O que são gerações?
Como se representa visualmente a continuidade e a descontinuidade, as rupturas e as evoluções que caracterizam a existência humana e as suas criações. Se por um lado não faltam definições, não falta assim também um espaço próprio para que a visão pessoal de cada um dê sentido a esta expressão.
A participação nesta iniciativa CAIS/BES é aberta a todos os residentes em Portugal e podem ser obtidas mais Informações e efectuadas as inscrições em www.reflex.com.pt

Gostaria de desafiar a administração a fazer um post sobre este assunto, pois além de ser um concurso à volta de uma causa social, costuma abrir caminhos a fotógrafos amadores.

Muito obrigado e os meus cumprimentos.

 
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