27 fevereiro, 2009

Walker Evans

Virgínia Ocidental, EUA, 1935
© Walker Evans Archive, The Metropolitan Museum of Art


À procura da realidade pura e dura
(P2, 27.02.2009)

As letras abandonaram Walker Evans (St. Louis, EUA, 1903-1975), mas Walker Evans nunca abandonou as letras. O falhanço como artífice da palavra escrita, depois de uma passagem pela Sorbonne, em Paris, em 1926, abriu caminho ao inventor do estilo documental na fotografia e ao defensor da imagem fotográfica como "documento lírico, poético" que, além de fazer o registo e a descrição da realidade, consegue criar uma linguagem particular, carregada de signos, ícones e símbolos.

Ao mesmo tempo que lutava por autonomizar as fotografias em relação aos textos que as acompanhavam, no começo dos anos 30, Evans escolhia como principal sujeito das suas imagens justamente as letras que no começo o desdenharam e depois o apaixonaram ao ponto de se ter tornado coleccionador dos reclames originais de papel, lata, madeira ou ferro, que foi registando em película ao longo da carreira. Ou seja, uma dupla apropriação da realidade ou a experiência fotográfica levada ao extremo.

A obsessão pela plasticidade gráfica das letras é apenas uma faceta da obra de Walker Evans presente na grande retrospectiva que agora pode ser visitada na Fundação Mapfre, em Madrid. Uma selecção de mais de uma centena de fotografias - a maior parte das quais são cópias vintage (de época) ou foram reproduzidas com o controlo do próprio autor - traçam o percurso criativo de um nome fundamental para a história da fotografia e raramente visto de maneira coerente e abrangente fora dos Estados Unidos. Organizada a partir de uma colecção privada de alguém que preferiu manter-se no anonimato, a exposição abrange um período que vai desde 1928 até 1975, quase cinco décadas de produção preenchidas com imagens directas, de abordagem apolítica e despidas de artifícios de estilo.

O conjunto está dividido em cinco etapas que correspondem a outros tantos períodos cronológicos. O percurso começa com o deslumbramento com as geometrias da cidade, em Nova Iorque. Passa para um trabalho em Havana, Cuba, onde o fotógrafo se concentra mais nos rostos e na rua. Surgem depois as imagens do tempo em que esteve ao serviço da Farm Security Administration (FSA), uma agência do Governo Federal criada para registar a forma como parte da América, sobretudo o Sul, enfrentava as consequências da Grande Depressão que se seguiu à crise de 1929. É considerado um dos períodos mais marcantes da obra de Evans. Do contacto com o país profundo mergulhado na miséria, na melancolia e na fome nascem algumas das fotografias mais icónicas do seu trabalho. Despedido da FSA por não alinhar na tentação política do projecto, começa a fazer retratos de improviso no metro de Nova Iorque com uma máquina escondida no casaco. Estes rostos soturnos em desalinho formam a quarta etapa. Na última parte da exposição, mais uma opção experimental - as polaróides a cores.

Evans abandonou o preto-e-branco, mas nunca abandonou as letras, inclusive as do seu nome. A representação do "W" foi uma das últimas imagens que captou em vida, em 1975. O "W" de outro americano mais próximo dos nossos dias ainda está bem presente. Como parecem do presente muitas das imagens da América da incerteza e da esperança do New Deal do Presidente Roosevelt, que tentou forjar um novo país, a partir de novos paradigmas. Como também agora se tenta fazer.



6 comentários:

António Campos Leal disse...

"Como também agora se tenta fazer." Pois, essa escrita como afirmação é fraca. Voltemos há Fotografia. Toda a análise em torno da "Fotografia de Walker Evans" está carregada dos anseios e dúvidas de autores vários. Muitas vezes o texto crítico acaba por servir pontos de vista associados aos respectivos autores acabando Walker Evans por ficar fora desses conceitos. Walker Evans, é o resultado de um momento de intensa crise social no EUA associado à razão cultural que lhe serve de base. Se alguém pode ser "colado" à expressão - nós e as nossas circunstâncias - é Walker Evans, com a particularidade de ser pago e organizado a partir de um departamento estatal. A realidade social que envolve por vezes os autores de trabalho fotográfico está aí todos os dias. Pequenos pormenores emperram a engrenagem a que não é estranho o posicionamento político/ideológico dos autores em primeiro lugar e como determinante todo o pensamento envolvente. Departamentos estatais, editoras, galerias, sociedade em geral. Em Portugal nos últimos trinta anos muitas foram as alterações socio-económicas, do desaparecimento e envelhecimento de algumas áreas produtivas, do aparecimento de "guetos", do abandono do Interior, da mudança de toda uma aldeia para outro lugar (que pelos vistos está a morrer como qualquer aldeia do interior), da miséria cultural e social que ayinge muitos dos nossos concidadãos e nem por isso surgem os trabalhos fotográficos capazes de servirem de registo a mudanças que estão aí, defronte dos olhos de quem os abrir.

Anónimo disse...

"Se alguém pode ser "colado" à expressão - nós e as nossas circunstâncias - é Walker Evans, com a particularidade de ser pago e organizado a partir de um departamento estatal.(...) Walker Evans, é o resultado de um momento de intensa crise social no EUA associado à razão cultural que lhe serve de base". Ora aqui está quem não percebeu nada de Walker Evans e não passou dos lugares comuns que não é por serem repetidamente ditos que são verdade. "Toda a análise em torno da "Fotografia de Walker Evans" está carregada dos anseios e dúvidas de autores vários." Nem toda, muita estará. A do Pinholeiro está de certeza, entrou foi pelo outro lado.

António Campos Leal disse...

Adoro lugares-comuns, encontramo-nos lá todos. Miguel ... pois... possivelmente não entendeu o meu texto. Paciência.

Anónimo disse...

Ó Leal, eu prefiro encontrar-me contigo no lugar do costume. E percebi o texto. Ó se percebi.

António Campos Leal disse...

Pois é, pinholeiro para uns mais informados é o mesmo que dizer... sou eu e assumo o que digo, Miguel... pode ser ali o meu vizinho que por vezes dá aqui uma ajuda na horta. Pois é Miguel o sitio do costume????? parece que sei quem faz o comentário. E eu que estive para provocar esse desafio identificativo. Tá certo cada um esteja onde estiver será o que quiser ser e eu como tu sabes sou de lugares comuns, o azar é que os outros podem não perceber e eu sou apenas um amante da fotografia que não está interessado nas figuras que se pavoneiam por prémios e salõe sque já não existem. Mas, o que anda por aí é muito parecido. Se és quem eu julgo por aí nos encontraremos se estou enganado, basta uma de correio electrônico e aí estarei. Um abraço. E como tu o dizes, o Leal está no lugar do costume.

Anónimo disse...

O Miguel é esse mesmo. A mim não me verás a pavonear por esses salões de que falas, não tenho estrutura para a cauda de plumas. Prémios ganhei um uma vez, com o meu 2CV, o de último inscrito na prova. Vejo-te p'ra semana ou assim e trocamos os cromos do Evans ao vivo. Mas continuo na minha, a tua leitura do Evans falha porque se baseia em apropriações/assumpções indevidas que fizeram do trabalho dele. Abraço. Blog On.
peço desculpa ao autor do blog por ocupar espaço com esta provocação a dois).

 
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