27 fevereiro, 2006

Pensar fotograficamente

Gérard Castello-Lopes

Eduardo Prado Coelho fala sobre os que em Portugal, nos anos 50, começaram a "pensar fotograficamente"; sobre o "neo-realismo deambulatório" desse período; o lançamento do álbum Em Foco (Assírio & Alvim); a relação fotografia/cinema; e a descoberta da obra de Fernando Lemos.

"Pensar a imagem
De súbito, houve um instante mágico na arte portuguesa. Na História da Imagem Fotográfica em Portugal, de António Sena, pode ler-se a dada altura: “Os anos 50 seriam excepção subtil em quase todo o mundo fotográfico. Seria uma revolução doméstica e quase silenciosa. Enquanto vários grupos se formavam e organizavam salões e concursos, uma dúzia de pessoas pensava fotograficamente.” Surge assim “uma geração aclamada pelos sinais de uma modernidade que fundou”. De assinalar o aparecimento do projecto Lisboa, cidade triste e alegre. Ainda segundo António Sena, “tanto o livro como a exposição advêm de preocupações gráficas, fotográficas e cinematográficas. Deliberadamente se experimentaram as velocidades lentas, os cortes, as sequências, as oposições, as difracções, as sobre-revelações, os alto-contrastes e, fascículo a fascículo, se iam juntando até imagens obtidas a caminho da casa impressora...”. Creio que entre nós este período tem sido objecto de estudos de Lúcia Marques.
A um primeiro olhar, o que se mostra particularmente interessante é a inesperada conjugação de uma aproximação à dimensão humana (na linha de um pensamento humanístico) e de formas extremente pensadas e elaboradas. Há assim um lado de neo-realismo deambulatório associado a um pensar a fotografia (naquela perspectiva, em que se considera que a fotografia é um meio de pensamento com elementos claramente específicos). Nesta antologia encontramos nomes em grande parte centrais na arte portuguesa: de Carlos Calvet a Carlos Afonso Dias, de Augusto Cabrita a António Sena da Silva, de Eduardo Gageiro a Vítor Palla, de Manuel Costa Martins a Jorge Guerra (estas nomes eram-me menos conhecidos), de Gérard Castello-Lopes a João Cutileiro, de Francisco Keil do Amaral a Fernando Lemos.
Num trabalho de Miguel Amado, e com o empenhamento de Luís Saragga Leal, saiu agora um livro das edições Assírio e Alvim, mas que corresponde à iniciativa de uma sociedade advogados, PLMJ (A. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados). Saudemos o entusiasmo com que estas coisas são feitas. Este Em Foco vem no seguimento de uma outra iniciativa, o livro Extensão do Olhar. Aqui encontramos trabalhos diversos , tão diferentes e contemporâneos como os de Jorge Molder, Gabriela Albergaria, Júlia Ventura. Paulo Nozolino, Nuno Cera, João Tabarra ou Abílio Leitão (entre muitos outros). Estamos num domínio em que a fotografia perde contornos e confunde-se com outras formas de arte contemporânea. O que começou a acontecer nas modalidades de interacção dos autores escolhidos para Em Foco: as relações entre a fotografia e o cinema são intensas, naquele registo em que a imagem se pensa para pensar o mundo e o visual se torna motivo de inteligência. É aqui que a fotografia portuguesa se descobre cosmopolita.
Duas referências: a primeira corresponde ao olhar de Gérard Castello-Lopes, desde o peso de uma burguesia afirmativa (onde as relações entre homem e mulher assinalam formas de confronto clandestino), até à dinâmica corporal de “Lisboa – 57”, ou a esse clássico da fotografia portuguesa que é o rochedo entre as ondas que surge como a mais bela metáfora do Portugal, de 1987. A segunda vai para uma personalidade riquíssima tanto do ponto de vista estético como no lado humano: o recém-descoberto em Portugal Fernando Lemos. Conheci-o no Brasil, tinha lido os seus textos poéticos, mas o verdadeiro encontro, numa praia de Ubatuba, foi um extraordinário prazer. Lemos introduziu a dimensão surreal na fotografia portuguesa (mas sem surrealismo doutrinário). A sua obra traz o visual em toda a sua força." (Eduardo Prado Coelho, in PÚBLICO, 09-02-2006)

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