16 junho, 2008

/uma fotografia, um nome\

Inês d´Orey, Cave
(© Inês d`Orey)

Este século XX, tão próximo, foi palco de indescritível violência e desprezo pela vida. Pela vida de tudo o que é vida.

Mas foi então que mais se afirmou este inconsequente pudor pela morte que hoje consentimos.
Tudo indica que este é um apontamento compensador do excesso do sentir que ligamos ao corpo que vive. E o desconforto que sentimos com esta Cave de Inês d’ Orey, insere-nos nesse universo de ocultamento do que é refractário ao mundo do sentir.

A cave mortuária insinua o arrepio da humidade, a capa miúda e escorregadia das plantas sem luz e a falta de ar, mas é também e, talvez por isso mesmo, a quieta mansidão do respeito e da dignidade do que não mexe. O que fica nos vivos é a humidade da alma, a recusa, a vitória do medo e a incredibilidade. E é isto que Inês d’Orey aqui nos sugere, a inóspita convivência dos vivos com o mundo dos mortos.

Não porque a fotografia seja a sua alegoria, que não é. A fotografia resulta dum exaltante momento de vida, faz uma imagem-objecto com outro objecto que assim se torna referente, mas nada, quase nada os identifica. Não porque o passado se revive com nostalgia: nada aqui nos ensombra a alma. Nem sequer porque aquela luz que indica a saída do subterrâneo nos desafie para o Sol, fugindo desta estratificação social que aqui se repete.

Mas porque a fotógrafa fez cintilar na penumbra as sempre-vivas flores de plástico que esclarecem, como sentinelas do nosso dever para com os mortos, que o nosso sentir se recusa à sua convocação repetida.

A fotografia tem-nos mostrado que somos dominados pela cultura do corpo, da desconstrução e do simulacro. Banimos os duplos que faziam de estátuas de honra e bons costumes mas, ao que se diz, produzimos por segundo, nesta sociedade globalizada, 550 fotografias. O retorno ao real, esse real concebido como quase ficção, este olhar múltiplo que assentamos sobre uma realidade também múltipla e heterogénea, traz-nos, na experimentação fotográfica os territórios conflituosos do corpo – o nosso campo de batalha com o sentido da vida. O tema, o grande tema que é também o da fotografia é a realidade como um acontecimento de trauma.

E é isto que aqui nos diz Inês d’Orey. Não um olhar sentido, nostálgico, mas um discurso de desterritorialização, de desapego pela memória e pela ideia de saudade. A falta, a ausência, neste mundo onde a arte deixou de ser um lenitivo, mas um investimento plural para o agir, bloqueiam a ânsia de estar, de ser um lugar de interactividade, que substituiu a ânsia de ser.

Talvez seja por isso que a sociologia abandonou o estudo dos sistemas sociais e se centrou na acção, procurando saber como se formam os actores vagamente sociais onde se perdeu a distinção entre vida pública e privada e pesquise, nas margens, a interacção entre a unidade social e a diversidade cultural.

Esta fotografia diz-nos que não há história sem sujeito e é no sujeito vivo que tudo se passa. As flores de plástico são o duplo artificial e duradoiro de uma devoção, a alegoria do que significa a memória do pretérito.

A morte como uma patologia do sentir?

Maria do Carmo Serén

5 comentários:

Anónimo disse...

????

Anónimo disse...

caro anónimo, os "????" são para os visitantes adivinhar o seu nome?

Anónimo disse...

Ohhh nao... Inês D'Orey outra vez...

Tiago Cação disse...

Inês D'Orey....e Fotografos e fotografia não?

Anónimo disse...

Adorava ver mais fotografias deste mesmo projecto...

 
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