21 setembro, 2012

descobrir



 
Descobrir
(revista 2, Público, 09.09.2012)


É sempre bom descobrir aquilo de que não se está à procura. Melhor ainda é descobrir quando nada faz prever a descoberta. Afinal, estávamos longe, a chinelar pelas ruas no pico da sonolência, a fazer horas para a hora que o sol aceita esmorecer. Descobrir, quando íamos equipados para enfrentar o areal, as brincadeiras com castelos, pás e moldes a imitar bonecada e pudins flan.


Nada o fazia prever. A descoberta. Juro que não estava à procura de nada. Quer dizer, há caminhos tortuosos que se percorrem por opção com o fito de se chegar a um lugar específico, mesmo que não se tenha garantido à partida que se chegará a lado algum, a alguém, a coisa alguma.


Juro outra vez que só perguntei à senhora que atendia na livraria sofisticada do Museu de Arte Contemporânea de Vigo (MARCO) onde se vendiam outros livros, daqueles de capas gastas e com ADN de várias gerações. E ela, mulher simpática de bâton muito vermelho, tentou explicar-me os caminhos para lá chegar num galego com chispa que parecia a fala da mais velha das minhas avós quando se esbaforia com tanta canalha lá em casa. Estávamos perto e eu percebi tudo, mas ela preferiu fazer-me um desenho num quarto de folha A4.


Mas mesmo com os rabiscos, ao chegar ao casario perdemo-nos e por isso calhou-nos aturar um de Chaves que à força nos queria espetar numa mesa a comer mariscada e a beber alvarinho. Prometemos pensar no marisco, demos meia volta e metemos, cheios de fome, por uma quelha muito a subir.


No Fai Bistes vingámo-nos num revuelto de chorar por mais e num branco do Ribeiro. Lá nos concentramos no desenho e eis que fomos direitinhos aos livros velhos. E eu, juro milhões de vezes, não procurava nada de especial até que pedi muito a modinho ao dono daquele corredor de bricabraque, “um vinagre”, indicações até ao sítio da fotografia. Sentado, falou entredentes um galego que nenhuma das minhas avós apanharia quanto mais eu. Viu-me desorientado e decidiu, a custo, meter-me o indicador à frente dos olhos. Respondia com enfado. Dedilhei as lombadas e puxei uma fininha que se revelou a primeira de uma resma de números do raro Boletim Photographico (1900 – 1913), talvez o projecto editorial ligado à fotografia que mais impacto teve em Portugal, graças ao talento de Arnaldo Fonseca ao dinheiro e visão de Júlio Worm. Paguei uma ninharia e saí contente da vida.


Voltámos ao MARCO para uma compra que tinha escapado à primeira e lá descrevemos a aventura na loja do estrunfe zangado. A mulher do bâton vermelho emudeceu, foi desencantar uns catálogos de uma galeria no Porto e disse “Toma, dou-tos”, como quem tenta pôr um penso rápido num arranhão.


Descobrimos nesse lugar a galega mais extraordinária da cidade.

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