09 maio, 2006

A terra horizontal

João Francisco Vilhena, 2006

A Fundação Alentejo – Terra Mãe acaba de dar à luz Os Sulitários, o seu primeiro rebento literário que nasceu do casamento entre o olhar de João Francisco Vilhena (fotografia) e a escrita de Paulo Barriga (poema).
António Mega Ferreira, que apadrinhou o lançamento em Évora, viu neste “poema fotográfico” as linhas mestras, “o programa de vida” da Fundação, a dar os primeiros passos na “investigação, preservação e divulgação da história, das tradições, dos costumes e dos falares do Alentejo”.
Nas imagens a preto e branco de João Francisco Vilhena, “um alentejano retornado”, estão os homens, os animais, os objectos, a largueza e os Elementos que fazem a terra horizontal. A terra onde a planura crestada, às vezes florida, tem vencido o trabalho escultor da água, metáfora possível para ler parte das fotografias de Os Sulitários. É um Alentejo onde paradoxalmente, nos apercebemos da água através da sua falta, através da sua impotência para se fazer notar.
Mas as imagens de Vilhena têm a grande virtude de nos dar a ver outra água no Alentejo. É salgada e tem estado longe do retrato que nos chega. É salgada e tem ouriços, peixes e estrelas do mar, tem pescadores, marinheiros e aventureiros. Tem mar. O Alentejo também tem mar.
No livro, alternam fotografias de grandes planos em espaços a perder de vista e fotografias de fundo negro de rostos, objectos e animais, mortos e vivos e mortos que parecem vivos, onde Vilhena mostra mais uma vez por que é um dos melhores fotógrafos portugueses a trabalhar a luz em imagens mais próximas da objectiva.
Na paginação, há um senão que se repete em três ocasiões, quando o texto se sobrepõe à fotografia. Resultado: ficam os dois a perder. Acredito até que para este “poema cosmológico”, como o definiu Mega Ferreira, que tem um vasto poder de sugestão, talvez resultasse melhor separar totalmente texto e imagens, para que se pudesse ler um “poema escrito” e um “poema visual” em dois momentos distintos.
Com a apresentação do livro inaugurou-se também uma exposição com parte das fotografias publicadas em papel. Para suporte dessas imagens, João Francisco Vilhena escolheu o habitual suporte da pintura – a tela. A opção corajosa revelou-se uma mais valia nas fotografias com fundo negro com a ilusão de brilho a distinguir-se nos sítios certos, coisa que só foi possível transmitir neste material porque, a par de uma impressão irrepreensível, Vilhena soube destacar o que era essencial em cada imagem. Soube fazer brilhar pormenores numa superfície matizada, sem brilho natural. Neste caso, a textura da tela acaba por não atrapalhar quem as contempla, mas em relação às imagens de planos abertos, onde há mais risco de ruído visual, a vasta paleta de cinzentos dá aso a uma ilusão incómoda quando, inconscientemente, se tenta perceber se se está perante uma fotografia pintada ou uma pintura fotografada.

Os Sulitários, João Francisco Vilhena/Paulo Barriga, ed. Fundação Alentejo – Terra Mãe, Évora, 2006. 25 euros.

Os Sulitários
João Francisco Vilhena
Fundação Alentejo – Terra Mãe, R. dos Penedos, nº 13-B, Páteo da Fundação, 7000 – 531, Évora. Até 28 de Junho. Entrada gratuita.
Tel: 266 746 754
e-mail: fundacao@alentejo-terramae.pt

João Francisco Vilhena, 2006

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